Quem me conhece sabe que se há coisa de que gosto é de conversar com taxistas. Salvas raríssimas excepções, em que por uma razão ou outra prefiro olhar pela janela e não ter de articular conversa, não há melhor maneira de tomar o pulso a uma cidade que falando com um taxista.
Há os sardónicos, como aquele que me falava da rotunda do Marquês de Pombal como sendo um “campo de golfe”; há também os compassivos, como aquele senhor que numa chuvosa manhã de inverno nos levou do aeroporto até casa, e ao ver um grupo de pessoas sem abrigo a dormir sobre cartões, num vão de um prédio, nos contava que não entendia como aquelas pessoas resistiam a viver naquelas condições, e como a ele lhe custava ver aqueles casos.
Noutro dia, numa viagem nocturna, apanhámos o táxi de um senhor muito simpático, com quem viemos em grande conversa. Quando nos perguntou qual a nossa preferência no que à rota tocava, contou-nos que era novo no trabalho, que na verdade era empresário mas que tinha tido que fechar as suas duas empresas. Depois disso tinha partido para África, onde andou de país em país a tentar a sorte, sem êxito, mas tinha decidido voltar a Portugal, e ali estava ele ao volante de um táxi. Que não, não era a sua carreira, mas que assim tinha trabalho e que a vida era mesmo assim, que havia sempre que dar a volta por algum lado.
Contou-nos tudo isto com um tom optimista-realista. Nunca falou no famoso “eles”, aquele “eles” indefinido que é sempre responsável por todas as desgraças que nos acontecem. Não falou no governo, nem bem nem mal, limitou-se a constatar que as suas empresas não tinham resistido, e que a experiência em África não tinha sido excelente, e que, por isso, tinha regressado ao seu país. E assim chegara ao volante daquele carro.
Nem uma lamúria, nem uma queixa, apenas uma constatação de que aquele não era o percurso profissional que tinha imaginado para si, mas que a vida havia de melhorar em algum momento, com trabalho e dedicação. Quando nos despedimos do taxista, à porta de casa, olhámos um para o outro e confessámos a nossa admiração por aquela pessoa com quem nos cruzámos por breves momentos, num percurso rápido entre dois pontos da cidade de Lisboa.
Se conversar com taxistas for mesmo uma boa maneira de tomar o pulso a uma cidade, penso que vamos no bom caminho. Sim, o governo fala-nos da recuperação que já se avizinha, enquanto a troika nos prescreve mais austeridade. Mas a realidade é feita na rua, nas lojas, nos negócios, pelas pessoas, por taxistas e outros empreendedores como este; no fundo, é feita por todos nós, e todos nós podemos ser tão bons.
(Texto: Ana Isabel Ramos/ Imagem: Miguel Manso/ Arquivo Jornal Público)