Esta semana fui surpreendida por uma onda de tweets que iam do crítico ao totalmente ordinário em relação à presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, Isabel Jonet.
Estranhei. Não a conheço, é certo; as únicas referências que tenho dela são o facto de ser presidente do Banco Alimentar há vários anos e uma entrevista que deu a Carlos Vaz Marques, no programa Pessoal e Transmissível, da TSF. Lembro-me de ter ouvido essa entrevista com bastante interesse e de ter ficado a saber um pouco mais da história desta pessoa. Na entrevista, Isabel Jonet conta ser também ela voluntária, já que não recebe um salário pela posição que desempenha; conta que esta foi uma questão discutida em família e que, juntamente com o marido e filhos, ajustaram o orçamento familiar ao rendimento de uma só pessoa. Além disso, conta também sobre a sua vida, como começou a fazer voluntariado e fez observações sobre o panorama português, que conheceu de outra forma enquanto presidente do Banco Alimentar.
Vale a pena ouvir a entrevista para saber um pouco mais sobre o seu percurso e as suas opiniões.
As declarações feitas por Isabel Jonet na SIC Notícias, na quarta-feira à noite, são desastradas. Mas, na minha opinião, o que ela diz é a mais pura verdade. Quando Isabel Jonet diz que não podemos comer bife todos os dias, ela tem razão, não só do ponto de vista literal como do figurado. Literalmente, não é comportável nem ecológico comer bifes todos os dias; figurativamente, não podemos fazer luxos todos os dias. Comer um bife, por muito que custe a muita gente, é um luxo.
A metáfora, apesar de verdadeira, é infeliz: falar em “bifes” como exemplo de luxo é usar a fome como metáfora, e a fome não é metáfora, é problema. Nos dias que correm, deriva directamente da contracção da economia e do programa de austeridade. É um crime saber que há muita gente a passar fome e que há muitas crianças a irem sem o pequeno-almoço para a escola. Para esses, o bife não é uma metáfora, é alimento. E daí achar que a imagem não é feliz. Mas é verdade.
Mais: que é que se quer dizer com empobrecer? Ter menos dinheiro? Ou ter menos coisas? Esta questão fez-me lembrar o designer e teórico Victor Papanek, falecido em 98, um homem que há várias décadas defendia que tínhamos de adoptar um estilo de vida social e ecologicamente mais equilibrado. Na opinião dele, que penso estar na mesma linha das declarações de Isabel Jonet, em vez de usarmos e acumularmos bens, temos de nos habituar a usar menos coisas, por mais tempo. Papanek era defensor da aquisição de serviços, não de bens, e que estes tinham de ser desenhados não para se tornarem obsoletos mas sim para serem duráveis (e recicláveis em fim de vida). Por exemplo: em vez de cada um comprar uma máquina de roupa para a sua casa, a sua posição é que deveríamos comprar tempo de lavagem numa máquina de roupa partilhada. Em comparação com aquilo a que estamos habituados, talvez não seja cómodo; mas é habitual em países ricos, como a Suíça. Isto quer dizer que é uma medida de racionalização dos recursos, não uma medida que advém da pobreza.
Com mudanças de hábitos, ou seja, viver com menos, fazemos um serviço a nós próprios (afinal de contas, continuamos a ter a roupa lavada, no exemplo dado), ao planeta (menos lixo no fim de vida útil de cada uma das máquinas de lavar) e também à economia (o dinheiro continua a circular em serviços, não em bens). De novo, este é um paradigma de muitos países e não advém da pobreza.
Concluindo, não acho felizes as imagens, mas estou de acordo com o conteúdo. Temos de nos habituar a um novo paradigma de vida, em que em vez de adquirirmos bens e considerá-los como indispensáveis, temos de mudar para a aquisição de serviços. Um bife – e uma máquina da roupa – são luxos. O que não quer dizer que sejamos pobres ou passemos fome.
(Texto: Ana Isabel Ramos)