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Em Maio passado, quando nos mudámos para a nossa casa nova em Lisboa, abri finalmente todas as caixas que continham os pertences da minha casa de solteira, de antes de me mudar para a Argentina. Na altura, mudei de continente com uma malinha de porão com roupa e sapatos, pouco mais.

Havia portanto já uma boa meia dúzia de anos que não explorava o que tinha ali na arrecadação dos meus pais; algumas caixas, vim a descobrir mais tarde, tinham muito mais tempo ali fechadas.

Abri-las todas e ver o que continham, retirar os meus pratos, copos e talheres, tudo isto me deu uma alegria imensa: sentia-me a mergulhar numa cápsula do tempo; naqueles objectos estavam cristalizados momentos felizes da minha vida, momentos bons de mudança e desafio.

Numa das muitas caixas encontrei um tesouro quase arqueológico, o meu estojo de bordado da escola secundária. Na altura tinha a disciplina de têxteis, como tantas outras meninas, e no programa tinha de fazer uns horrorosos bordados em ponto cruz. “Horrorosos” não pelo bordado em si, mas pelos desenhos que nos eram sugeridos.

Olhando para trás, vejo que já na altura não era pessoa para bloquear com um desenho de que não gostava, e, quando recebi uma carta que vinha da Suécia com um selo lindo, decidi que esse era o motivo que tinha de ampliar, passar para uma quadrícula e bordar. Não no âmbito da disciplina, que para essa bordei uma cena com um grande, grande fundo bege que nunca mais acabava e que ainda hoje me faz tremer. Mas fora dos trabalhos da escola, fazia o que me apetecia.

Pus mãos à obra e comecei o trabalho:  ampliei o meticuloso desenho com uma lupa e muita paciência.  E o bordado avançou.

Quando abri a cápsula do tempo na Primavera passada, vi que quase, quase o terminei… mas fiquei a meia dúzia de pontos de ter a obra completa. Escavei na minha memória e lembrei-me do que se poderá ter passado para ficar perto do fim, mas não ter lá chegado: penso ter achado que tinha ficado com uma margem demasiado pequena na parte de baixo do motivo, e aí… Talvez da idade ou do meu feitio na altura, desisti de o completar imediatamente antes do término, assim como uma equipa de futebol faz uma jogada maravilhosa, progride em campo, chega o momento do remate à baliza e sai fraco e ao lado. Estive “quase lá”, mas não cheguei.

Como li numa revista brasileira aqui há tempos, tinha muita iniciativa, mas pouca “acabativa”.

Este foi um dos traços da minha personalidade que me esforcei muito, muito por mudar: ideias há muitas, claro, e infelizmente não as posso pôr todas em prática; mas aquelas que ponho gosto de as terminar, levar até ao fim, vê-las concluídas. Há dias em que as concluo “melhor”, ou com mais êxito; há dias em que as concluo com mais vontade de as concluir que de obter um resultado perfeito. Porque, como diz o povo, “o bom é inimigo do óptimo”. Ou, no meu entender, o “perfeito” raramente coincide com o “terminado em tempo útil”.

E porque a busca perfeição convida ao adiamento perpétuo, há momentos em que tenho de escolher fazer “bastante bem”, em vez de “completa e maravilhosamente bem”, se quero ver o meu projecto concluído. Outras vezes vale a pena voltar atrás para corrigir os erros e fazer daquele projecto uma obra perfeita.

Tanto no tricot como nos projectos de design para clientes – como na vida, em geral – vejo-me constantemente nesta procura pelo equilíbrio óptimo entre o tempo disponível até à entrega e a melhor execução possível do trabalho em mãos. Nem sempre é fácil…

Quanto ao bordado do selo sueco, tenho vontade de o terminar; mas vê-lo assim, quase terminado, é um lembrete visual daquilo que quero melhorar: ter tanta “acabativa” quanto iniciativa.

(Texto e imagem: Ana Isabel Ramos)