Aos 18 anos de idade, agarrei nas malas e tive de me vir embora. Tudo devido a uma força do destino fruto do desfecho dessa mesma idade. A Faculdade. Cresce-se e, a dada momento da vida, mais tem de se crescer. Num curto espaço de tempo aprende-se a lidar de uma só vez com a suposta maturidade, emancipação, com o ir, o regressar, o longe, as saudades, a novidade, a aventura, a responsabilidade, o estar-se por conta própria. Entra-se no comboio, num intercidades que nos leva a uma distância de 400 km do ponto de origem, chega-se ao destino e recomeça-se uma espécie de vida nova, diferente.
Aos 36 anos de idade permaneço na cidade que escolhi viver porque, apesar da aparente casualidade da dita força do destino, houve uma intenção e, em último caso, a escolha também foi minha.
Lisboa nunca me foi uma completa estranha. Desde muito pequena que parte das “férias grandes” eram passadas por aqui, por casa da tia Ucha, a tia porreira, a tia que todas as crianças desejariam ter. Lisboa, já de si uma espécie de oásis vibrante, tornava-se ainda mais alucinante com os passeios e os ensinamentos da tia Ucha. E lá íamos pelas ruas da cidade a absorver tudo que a tia Ucha tinha para dizer sobre ela: “Sabem o que é isto? Sabem o que é aquilo? Amanhã vamos ali… e depois vamos por lá… e aqui? Como é que se chama esta parte da cidade? Lembram-se?” E eu, a minha irmã, repetíamos em coro: “De um lado é a buraca e do outro a porcalhotaaaaaa!” E riamos, riamos.
E assim fui aprendendo a cidade, a saber-lhe os lugares, as pessoas e as histórias (as mais formais e as mais informais)… continuamente aprendendo a cidade e mantendo uma curiosidade constante porque por mais anos que se viva num lugar, seja lá ou seja cá, há sempre qualquer coisa por descobrir.
Não tenho a certeza de que isto de se ser meia “estrangeira” nos aumente a curiosidade, mas fui constatando com o passar dos anos que, muitos dos Lisboetas com quem ia mantendo contacto, pouco sabiam da terra onde viviam. Talvez não tenham tido uma tia Ucha nas suas vidas… talvez lhes falte alguma curiosidade… talvez o facto de serem de uma determinada terra lhes adormeça o sentido de aventura. Não há resposta certa, nem tenho pretensão alguma em encontrar uma resposta… partilho apenas a confusão que isto me faz, sempre me fez.
Diz-se “a minha terra”, o “meu país” sem que por vezes se saiba muito sobre esses lugares. Procurar os significados dos mesmos suponho que nos faça sentir mais acolhidos e acolhedores. Morar não é necessariamente pertencer. Mora-se de forma desligada, desprovida de contacto. Mora-se muito, habita-se pouco?
O que sei eu sobre a minha terra? As minhas terras? Faço plena questão de saber cada vez mais, de manter uma requintada curiosidade sobre os lugares e tudo o que lhes seja inerente, tudo o que lhes dê vida.
(Texto e imagens: Raquel Félix – Portugalize.Me)