Noto em mim a tendência temática da viagem no tempo. Na semana passada, viajei no tempo e no espaço com o tricot, o xaile que tenho nas agulhas e o fio, uma mistura de seda e mohair que comprei numa loja deliciosa, em Santiago do Chile, no Inverno austral de 2012.
Esta semana, dou por mim a reflectir na viagem no tempo que fiz um destes dias quando fui almoçar com a família à Sociedade de Geografia, em pleno coração lisboeta.
Não quero com as minhas palavras denegrir o mérito que esta ilustre instituição teve e tem na sociedade portuguesa; conto-vos apenas o que senti ao entrar nas suas instalações, num dia de Janeiro de 2014.
À esquerda de quem entra, existe uma sala grande com uma lareira, muito agradável em dias frios. A decoração é toda ela temática de tempos que já foram: nas paredes figuram reproduções de mapas e todo o mobiliário faz lembrar o universo de Eça de Queirós. A sala de refeições encontra-se num mezanino sobre esta sala, com toalhas de pano e talher completo. A refeição é-nos trazida como se estivéssemos em casa: em generosas travessas, chega-nos o prato do dia.
Enquanto esperava pela refeição, olhei em volta, curiosa: mulheres na sala éramos poucas. Para além da minha irmã, a minha mãe, eu e as senhoras que nos tão simpaticamente nos serviam, o resto do público era masculino.
(Abro aqui um parêntesis para partilhar um detalhe curioso dos nossos dias, completamente dissonante do resto da paisagem: numa das mesas, repleta de executivos, estava um bebé, com o pai. Naquele ambiente tão reminiscente do passado, este sinal dos tempos destacava-se como um colete reflector no escuro da noite. Fecho parêntesis.)
Para além da decoração e do ambiente, do público maioritariamente masculino, das mesas postas com o aprumo de uma casa de boas famílias e das cartas das ex-colónias nas paredes, numa mesa por perto estava uma pessoa dos nossos tempos de Macau, tempos esses que já lá vão há quase duas décadas. Como o tempo passa…!
Terminado o almoço, só no momento da saída notei a porta decorada com vitrais alusivos às ex-colónias, iluminada pela luz diurna que a inundava de fora para dentro. Nesse momento consolidou-se em mim a sensação de que aquele almoço constituíra uma viagem a um passado vagamente grandioso, em que Portugal era Portugal aqui e noutras latitudes. Ao sair para a rua, digo, para o século XXI, senti-me recém-chegada de uma expedição ao passado, como se a Sociedade de Geografia fosse ela própria uma cápsula do tempo plantada em pleno centro da cidade.
A quem me disser que viajar no tempo é impossível, eu respondo que sim: basta procurar.
(Texto e imagens: Ana Isabel Ramos)