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Só neste país, mas em bom

17 Fevereiro, 2014

Portugalize.Me_Factura1

Há uns dias, talvez semanas, fui a uma das “minhas” retrosarias em Campo de Ourique para comprar agulhas para os meus workshops de tricot. Fui atendida de forma muitíssimo simpática, mas não muito despachada, pela senhora da loja. Mal sabia eu, na altura em que lhe pedi a factura, com nome e número de contribuinte, que estava ali a encetar um episódio de uma longa novela, daquelas que, tal como o título indica, só acontecem em Portugal.

E quando digo isto, digo-o porque em Portugal acontecem coisas maravilhosas que não acontecem em muitos outros lugares do mundo, pelo menos não naqueles em que já vivi.

Aqui há uns anos, pedir factura era coisa do outro mundo, um aborrecimento que só visto porque iríamos “obrigar” o vendedor a declarar aquela venda. Os anos passaram e hoje, com toda a máquina fiscal mais oleada, o equipamento moderno e os incentivos ao pedido de facturas com número de contribuinte, os problemas vêm, precisamente, da tecnologia. Pelo menos para alguns.

Quando pedi a factura à senhora ela afligiu-se; “tem a certeza? Com nome? Com número de contribuinte?”. Mas não era uma fuga ao fisco que ali estava em jogo; era o desafio do contacto com uma tecnologia demasiado avançada, em que as letras e números se digitam num ecrã táctil com teclas demasiado pequenas, que teimam em fugir aos olhos e aos dedos.

A senhora tentou de tudo, sem sucesso; a máquina teimava em não lhe obedecer. E sem o apoio do marido, mais habituado a lidar com os avanços tecnológicos, não me conseguiu emitir a respectiva factura, mesmo ao fim de longos minutos e muitas tentativas.

Sugeriu então uma solução de compromisso: que ma faria chegar a casa, à minha morada, fosse por correio, fosse ela própria lá entregar em mão. Combinámos um dia, que veio e foi, e da factura nem rasto.

A minha expectativa de a chegar a ver reduziu-se a um mínimo histórico negativo e pus o assunto para trás das costas. Claramente, esqueci-me de que vivia em Portugal; que Lisboa, apesar de cidade, não passa de um conjunto de pequenas aldeias, que o comércio dos bairros ainda é tradicional e que muitas pessoas ainda se regem por um código de conduta onde incumprir uma promessa é pecado.

Até que chegamos a ontem, a campainha toca, ouço uma voz estridente no intercomunicador e vejo chegar ao meu patamar, com uma enorme surpresa e muitíssima alegria a mesmíssima senhora da retrosaria, que aproveitou a caminhada da hora de almoço para me vir trazer a prometida factura, directamente em casa, entregue em mão.

Realmente, há coisas que só neste país – e isso é bom.

(Texto e imagem: Ana Isabel Ramos)