Hoje tinha toda a intenção de escrever um texto sobre inovação feita em Portugal, sobre as muitas tecnologias que conquistaram o mundo e das quais muitas vezes nunca ouvimos falar. Queria fazer um registo optimista de algumas coisas boas que vão acontecendo no nosso país – que as há.
Mas não consigo ignorar o que aconteceu em frente ao Parlamento. É impossível não escrever sobre os distúrbios causados por meia dúzia de gente de capuz na cabeça e de cara tapada, e a carga policial que se seguiu.
Já li várias vozes a alegar que havia agentes da polícia infiltrados na multidão, a fazer provocações. Já li muitas teorias da conspiração. Não vou tão longe. Talvez seja ingénua, mas acredito que os indivíduos tapados não eram mais que míseros vândalos, gente que sabe que a violência, numa manifestação, é como um fósforo numa floresta, em pleno Agosto.
No vídeo que vi, estavam esses dez, talvez quinze indivíduos a lançar pedra atrás de pedra para a barreira policial, que se protegia atrás dos escudos. Nas imagens, via-se o céu a escurecer, pelo que posso imaginar que o tempo que aguentaram as pedras que lhes choviam, sem um movimento, tenha sido um razoável intervalo de tempo. Sem um único movimento. Até aqui, a conduta pareceu-me impecável.
O problema foi não aguentarem mais. E, em vez de circunscreverem o grupo de vândalos, seguiu-se a maior carga policial da nossa democracia.
Pelo que li, houve ordens superiores para muitas coisas que não se fazem em democracia: manterem os detidos incomunicáveis, por exemplo, sem que as famílias os pudessem localizar. Não sei se também foi ordem superior, mas muitos agentes distribuíram bastonada a torto e a direito, a quem corria e a quem estava parado. Segundo o que li, houve também agentes que gritavam às pessoas para que elas pudessem fugir e abrigar-se da fúria fardada. Não há uma história, há muitas.
E tudo isto por causa de uns quantos indivíduos que nem a hombridade tiveram de mostrar a cara. Atrás do anonimato, é fácil atirar pedras. Como aliás já tínhamos constatado online.
Infelizmente, devido à atitude deste pequeno grupo de pessoas, todas as outras, as que estiveram na manifestação porque querem mudar algo no país, por solidariedade ou por convicção, perderam a força do seu protesto. Por causa de vândalos, o dia ficou gravado como o da maior carga policial em democracia, não como uma das maiores greves. Deixa-nos mal a todos, aos manifestantes e às forças policiais. E quem fica a ver lá de cima, eventualmente com uma leve ruga de preocupação, é este governo que nos aperta a corda na garganta e um presidente que se mantém silencioso.
Claro que já sabíamos, mas agora confirmámos: a violência não leva a nada. E de quem a pratica de cara tapada e capuz na cabeça eu não sinto mais que nojo e desprezo.
(Texto: Ana Isabel Ramos)