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E foi assim…

21 Setembro, 2014

O Portugalize.Me é mais do que blog, é um exercício de curiosidade sobre o meu país. Da mesma forma que assumi este exercício, convido-vos a fazer o mesmo nos próximos minutos. Peço-vos silêncio, que apurem os sentidos, que olhem, escutem, sintam e perguntem… O que é que eu sei sobre ele? Que relação tenho eu com ele?

Porquê falar de um país? Para quê? Sem raízes, um país sucumbe à sua própria desidentificação, a uma memória desidratada sem conexão com as histórias e os costumes que o compõem.

Os variados esforços de unir e requalificar este “lugar memória” de que vos falo, resultam do trabalho inesperado de novos e velhos que procuram o “substrato” da terra que habitam. E são tantas as gentes que o procuram fazer. Falta-nos por vezes a verdadeira noção de tudo isto.

Acredito que é desta forma que as várias camadas que compõem a vivência de Portugal se voltam a tocar e a integrar, porque a camada seguinte não suplanta a anterior, pelo contrário, acrescenta-lhe algo para que esta última se torne ainda mais viva, mais rica.

Ao que muitos chamam de parolo, ultrapassado, fora de moda, obsoleto, pequeno… outros chamam de arte maior, identidade e especificidade de uma região, riqueza de um país.

Foi desta forma que descobri que há uma mão cheia de portugueses, aos quais faço questão de chamar “respigadores” de memórias, que procuram fazer da nossa essência um negócio respeitável, um livro, um objecto, coisas novas.

Há outra mão cheia de portugueses aos quais faço questão de chamar “transformadores” de processos, que nos surpreendem pela voracidade e ousadia da sua criatividade que chamam a atenção de quem nos olha de fora. Olhar este que nos confere um lugar de existência num mundo dito globalizante.

Desta forma pergunto curiosa: Quem é Portugal? Respondo com histórias… umas vindas da infância, lugar inicial de todos os processos, outras vindas da rua, da fala de terceiros, ou das mãos de fulanos e sicranos…. tenho tanto para vos contar…

Era uma vez uma…

Uma Belinda Sobral que viajou mundo fora e regressou à terra que a criou. Fez da mercearia da sua infância negócio próprio. Ela escreve: “O nosso país é tão lindo, nele vais conhecer pessoas maravilhosas, paisagens fabulosas, tradições que valem a pena. Se puderes não te envergonhes do país que tens.”

A minha avó fazia meias a 5 agulhas! Era como tocar piano a 4 mãos! 5 agulhas, 4 mãos, 20 dedos! As mãos da minha avó… uma artesã com saberes ancestrais, daqueles que passam de boca em boca e que por vezes se perdem…

Alice Bernardo descobriu país fora, milhares de mãos que sabem fazer coisas inimagináveis. Descobriu que a melhor forma de coser um sapato é usando uma agulha feita de pêlos de javali. Soa a fantástico! As coisas incríveis que sabemos fazer!

Em Portela, uma aldeia transformada em centro pedagógico para miúdos e graúdos, onde todos os habitantes são Mestres e ensinam o que fazem diariamente para que a aldeia possa continuar a viver a um ritmo herdado por gerações, o ritmo das “lides da terra”, dos saberes específicos, daqueles que os livros não ensinam.

Para quem não sabe, Portugal tem um calcanhar, chama-se Cidadelhe. Uma aldeia da Beira Alta assim chamada por se encontrar no limite do concelho de Pinhel. Cidadelhe tem um segredo bem guardado pelos seus habitantes, um pálio valiosíssimo que todas os dias muda de lugar porque ali não são precisos cofres, basta a confiança e a partilha, código de honra, lugar seguro.

Os tempos mudam… e até uma caixa de fósforos precisa de ser inovada para não padecer do esquecimento alheio. A Margarida e o Luís são os super-heróis das tradições em extinção. Deles conhecemos a Antiga Barbearia do Bairro, a Aldeia da Roupa Branca e a Por Ti Perco a Cabeça.

Gaspar Varela, 10 anos, dedilha guitarra portuguesa há 3… a sua tenra idade não o impede de ter certezas sobre o que quer ser quando for grande. Com ele é possível dizer que se pode fazer da guitarra portuguesa um futuro…

Uma mulher… chama-se Elisa Rodrigues, é portuguesa. A sua voz foi cirurgicamente usada pelos britânicos “These New Puritans” para o seu novo disco. Numa das apresentações ao vivo para o jornal “The Guardian”, Elisa apresenta o grupo em português, faz questão de se expressar na sua língua materna…

É raro encontrar uma família em Portugal que não tenha um cunho migrante. Vamos por tantas razões… e quando vamos levamos as nossas coisas, mostramo-las… e quando o fazemos não é só por saudosismo, é também por uma genuína vontade de mostrar um Portugal diferente. Vivam os nossos conspiradores.

Apesar de tudo o que vos conto, Portugal continua a padecer de falta de amor próprio. As Marias criadas pela Madalena sentem isso. Maria, na dúvida de si pergunta pela beleza de outras Marias. Ela sabe que precisa de um olhar renovado para se mostrar mais confiante…

Finalizo com as palavras da Ana Isabel Ramos, que passados alguns anos fora do seu país, regressou com um olhar renovado.“Para quem fica, façamos de Portugal não o país que “temos”, mas aquele que queremos, com o nosso trabalho, o nosso esforço, a nossa imaginação. Melhores tempos virão: estamos a construí-los cada dia, todos os dias.”

Agucem a curiosidade pelo nosso país…


Texto: Raquel Félix – Apresentação para a Pecha Kucha Night Out Lisbon – 21 Setembro 2104