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Começo o dia com um acto simples. Tudo por causa do Sr. Ribeiro, tasqueiro há longos anos na zona do Conde Redondo em Lisboa. E dizia-me ele, enquanto comprava o meu almoço para levar: “Há 30 anos, esta casa a esta hora estava cheia, a abarrotar. Servia aqui 70 almoços por dia… uns comiam lá fora, nesta mesa onde estou cabiam 4, uns em cima dos outros, mas toda a gente comia.” Hoje já não é assim. Olho a sala conto-me a mim e mais duas pessoas.

Acto simples do dia. Pegar num livro, folheá-lo O livro é uma edição dedicada às tascas de Lisboa com o apoio da típica aguardente portuguesa Aliança Velha. Folheio e começo a contagem. Palmeira fechou (aberto durante 61 anos, rentável – Câmara vendeu prédio em hasta pública, dono quer fazer obras de remodelação – continuidade do restaurante torna-se inviável). Central das Avenidas fechado (aberto dede 1923, rentável – obras de remodelação do prédio obrigam a tasca a fechar – a conciliação entre as obras e a abertura em permanência da tasca era viável –  incompatibilidades levam ao encerramento temporário sem previsões concretas da sua reabertura e com pressão, por parte dos proprietários do prédio, para um possível despejo).

Penso: “fecharam dois de uma lista de vários… não está mal… a malta está a resistir e a saber co-existir”. Penso outra vez: “e os que não estão no livro?” A Casa dos Amigos do Minho, o Balcão da Carlina, o STOP do Bairro que teve de se mudar, o bar Pirata que fechou portas, e as cerca de 120 lojas históricas que já fecharam desde 2015?! A lista de uma Lisboa desaparecida adensa-se.

Preocupo-me. Lisboa, preocupa-me mas, preocupa-me mais a possível incapacidade que possamos ter face a um sentimento de pertença ou a uma ligação às histórias e à memória das coisas e das pessoas da nossa terra… das nossas diferentes “casas”. Banalizar isto permitirá mais fechos, daqueles em que se leva tudo a eito, sem dó, sem qualquer reflexão.

Eu não sei viver sem histórias, sem pessoas como o Sr. Ribeiro e “casas” como a Casa dos Amigos do Minho. Sem isto, sinto-me como uma sem terra a viver num lugar acético e banal.

Texto: Raquel Félix – Portugalize.me

Imagens: Aliança Velha Tascas Lisboa – Oficina do Livro