Temos o dom de contar histórias.
É esta a sensação imediata que eu tenho face aos portugueses, que é também a sensação de alguém que vive rodeada por elas. Pelo menos na minha família sempre foi assim. E sempre foi uma coisa das mulheres da casa. Da avó materna, da avó paterna, da mãe, das tias, das vizinhas das avós… coisas de mulheres!
Na casa da avó Piedade, o pretexto para se contar uma história surgia com a espera do jantar. Enquanto as batatas coziam na panela de ferro, os dedos davam azo a histórias de outros tempos. Falava-se da infância da minha mãe, das minhas tias, da minha avó… coisas da terra, vidas duras, vidas cheias, vidas ricas de gente que sabe de cor “lenga lengas” desconhecidas, verdadeiros ensinamentos e odes à memória dos dias sem tv’s, net’s, telefones. A escuta era encenada por mim e pela minha irmã com um pau de ponta incandescente a rasgar o ar e, à medida que o agitávamos, um rastro de luz pairava à nossa frente como se de um cometa se tratasse.
Na cada da Ti Maria também era assim. A sala da minha avó paterna tinha um rol de cadeiras a toda à volta. A vizinhança era sempre bem recebida. Vinha a Dona Marquinhas, a Dona Augustinha (antiga proprietária de uma taberna) e quem viesse por bem. Mesmo com a televisão aos berros, as histórias fluíam e sobrepunham-se ao ruído da novela ou de um programa da tarde qualquer. Por vezes a coisa dava-se na rua, todas sentadas em fila no muro do antigo Jardim de Infância, quando o calor permitia o encontro das velhas amigas.
E depois vinha o Natal, momento de encontro das manas (Fátima, Emília e Amélia). A mesa era delas! Relembravam, riam, choravam… e eu a beber admirada daquelas histórias… tão diferentes, tão próximas mas tão longínquas dos dias de hoje!
Resgato esta sensação e estes momentos, para não os perder.
Texto e imagem: Raquel Félix – Portugalize.me