Sempre gostei de ser turista na minha própria terra, fosse ela qual fosse. Quando vivia em Buenos Aires, adorava levar as visitas aos meus lugares favoritos – ou então descobrir com elas um lugar novo.
Aqui em Portugal mantenho esse gosto: por um lado, adoro ser turista em Lisboa, ir aos miradouros e pasmar com a vista como se fosse a primeira vez, parar tudo e fotografar uma montra bonita ou o pôr-do-sol. Parece que a vida pára, por um segundo, e nesse momento me ligo, ainda mais, à cidade que me acolhe.
No Sábado passado fui outra vez turista na minha terra, desta vez em sentido lato, e fomos em passeio de aniversário até Tomar. Já lá tinha estado há muitos anos e as memórias que tinha eram poucas e difusas, por isso foi como se estivesse a conhecer pela primeira vez. Começámos a visita no Convento de Cristo, empoleirado em cima do monte, e vimos claustros, castelos e muralhas, a magnífica charola da Igreja, que apesar de se encontrar em obras de beneficiação, se percebe ser magnífica. Visitámos as zonas de aposentos, onde funcionou o Seminário das Missões, instituição na qual o meu pai estudou. A nossa visita foi colorida com os relatos do menino seminarista, que naquele dia viajou no tempo até à sua adolescência.
Admirámos a magnífica janela da Sala do Capítulo, com os seus detalhes manuelinos, visitámos o refeitório onde o meu pai tantas vezes almoçou, subimos aos púlpitos e fingimos passar os tabuleiros pelas janelas que comunicam com a grande cozinha de pedra.
Depois do almoço, visitámos o centro histórico de Tomar. O ponto de interesse seguinte foi a sinagoga medieval, inserida numa judiaria de uma rua só. Na sinagoga, aberta, apesar de ser sábado, estava a senhora responsável pelo espaço. Contou-nos a história com detalhes que me encantaram; falou-nos da tradição matriarcal do judaísmo, representada nas quatro colunas que suportam as abóbadas, correspondentes às figuras bíblicas de Ester, Rebeca, Raquel e Lia. Mostrou-nos também, nos cantos da sala, um conjunto de orifícios atrás dos quais se escondem ânforas viradas para baixo, que regulam e amplificam o som dentro da sinagoga. E o grande tesouro da sinagoga, que a senhora protege com cuidados de mãe: a Torah guardada num armário especial, atrás de um elaborado cortinado, longe da vista dos curiosos.
A história da senhora mistura-se com a do espaço, desde que há 29 anos atrás ela e o marido entraram ali, armados de vassouras e muita paciência, limparam e gradualmente restauraram o espaço. Antes disso, a sinagoga – construída entre 1430 e 1460 – servira também como armazém de frescos, após a expulsão dos judeus; foi reabilitada já no século XX, quando o engenheiro de minas Samuel Schwarz, um polaco a trabalhar nas minas da Beira Interior, a comprou. Entre Samuel Schwarz e as mãos da actual zeladora passaram anos de negligência, mas hoje a sinagoga está viva, e apesar de não haver culto regularmente, continua a demonstrar a importância que a comunidade judia tem e teve ao longo da nossa história.
Adorei a visita a este espaço pequeno, mas cuidado com tanta paixão por aquela senhora. Viúva há oito meses, contou-nos que o marido lhe pediu que, enquanto pudesse, continuasse a cuidar da sinagoga; e é graças a ela que a memória daquele espaço se mantém e é transmitida aos visitantes.
Depois da sinagoga, seguimos viagem até à praça central, onde ardia o madeiro de Natal. No interior da igreja, um coro cantava as janeiras. Quando o concerto parecia estar a terminar, homenagearam Nelson Mandela com um arrepiante espiritual negro, que me deixou de lágrimas nos olhos e pêlos em pé. Saímos de coração cheio para a rua!
Que bom é ser turista e conhecer lugares e pessoas novas, mesmo que estejam aqui ao lado!
(Texto e imagens: Ana Isabel Ramos)