Sem raízes um país sucumbe à sua própria desidentificação, a uma memória em tons de deserto, desidratada e sem conexão com a história e os costumes do seu povo. Os esforços de unir e requalificar este “lugar”, resultam do trabalho inesperado de jovens que procuram o substrato da terra que habitam. É desta forma que as várias camadas que compõem a vivência de Portugal se voltam a tocar, a integrar, porque a camada seguinte não suplanta a anterior, pelo contrário, acrescenta-lhe algo para que esta se torne mais viva, mais rica.
As roliças Marias Portugal, projecto de autor e de identidade regional da artista Madalena Martins, são uma feliz e nobre tentativa de reabilitar a tradição através da aplicação do design gráfico às iconografias da arte popular portuguesa. Cada “Maria” pretende ser a porta-voz de uma região, uma contadora de histórias que revela ao mundo um lado autêntico e, por vezes, menos conhecido de Portugal.
Ao que muitos chamam de parolo e pequeno, outros chamam de arte maior, identidade e especificidade de uma região, riqueza de um país. Há uma geração de portugueses, aos quais faço questão de chamar de “respigadores” da memória, que procuram fazer da nossa essência tradicional um negócio respeitável e de projecção mundial (tomemos como exemplo o Burel, as Green Boots, as cerâmicas da Maria Gorgulho e do Vítor Reis).
Maria, na dúvida de si pergunta pela beleza de outra Marias. Ela sabe que precisa de mais amor próprio para poder crescer, para se mostrar mais confiante. Sabe também que precisa de um olhar renovado de si, sobre si (do seu povo) para assim poder continuar a cativar gentes de outras paragens.
Maria Guimarães e Maria de Ponte chegaram à vida e afirmam-se mulheres da terra (uma de Guimarães e outra de Ponte de Lima).
Maria Guimarães usa elmo tal como D. Afonso Henriques, traz lenço azul, símbolo da primeira bandeira de Portugal, usa a cantarinha dos namorados, veste o verde e o vermelho dos bombos das festas Nicolinas, na mão carrega uma lança adornada com ramos de pinheiro e uma maçã no topo, relembrando as oferendas dos rapazes às raparigas, que aguardam nas varandas durante aquelas festividades. Maria Guimarães de faca e cutelo na mão, veste-se a rigor para contar a história daquela cidade, com têxteis que se fazem representar através do bordado de Guimarães da blusa que traja.
Maria de Ponte é um concentrado de emoções. Ela é parte da identidade das tradicionais Feiras Novas (as maiores e mais emblemáticas festas do concelho de Ponte de Lima) como a vaca das cordas (o seu animal de estimação), o arco, o vinho verde e o sarrabulho. Maria de Ponte tem coração de ouro porque de ouro se faz o coração Minhoto. Os trajes são quentes, vivos, festivos e pitorescos.
Madalena Martins cria assim duas Marias portuguesas, com a intenção de continuar a procurar as várias Marias que Portugal tem, um trabalho que requer pesquisa, amor, persistência.
Aguardamos mais Marias cara Madalena.
(Texto: Raquel Félix – Portugalize.Me/ Imagens: Marias de Portugal)