O fogo não serve apenas para queimar, aquecer ou alumiar a escuridão. Ele confecciona, dá cor e sabor aos alimentos. Retenho um sabor que guardei na memória e que pertence à minha infância. É o sabor de um pão centeio cozido em forno de lenha.
O meu pai viajava muito. Ele é um orgulhoso e sábio peixeiro cuja profissão o obrigava (obrigação de dever, de compromisso, de missão e não de sacrifício sem desejo ou imposição) a acordar todos as quartas e sábados de madrugada para ir vender o peixe fresco que chegava da lota ao mercado da Guarda. Hoje continua a fazê-lo, tão dedicado ou mais que há uns anos atrás porque agora o negócio que tem é seu e da Fátima (esposa que é o seu braço direito e esquerdo também).
Nessa altura, no regresso a casa (a meio da tarde), eu e a minha irmã de cada vez que ouvíamos o ronco do motor do camião do meu pai chegar, descíamos a escadas de casa a correr porque com ele vinha o meu pai e uma caixa de cartão cheia de delícias e alguns mimos extra. Peixe, carne, legumes, morangos, bananas, coisas saborosas que ele comprava no mercado da Guarda e, de vez em vez, ele trazia um pão centeio cozido em forno de lenha.
O pão vinha de Bragança, era um amigo do meu pai que o trazia. Um pão escuro, compacto, macio. A base do pão ainda trazia pedaços minúsculos de lenha queimada. E o cheiro! Cheiro de pão feito, de pão, pão. O sabor! Sabor de pão feito, de pão, pão.
Há sabores que só o fogo sabe dar, chamam-lhe Sabores do Forno. Em Vila de Punhe, perto de Viana do Castelo, um grupo de jovens decidiu recuperar sabores antigos. Todas as segundas cozem broas de milho em forno de lenha, uma forma de reavivar esta forma tão tradicional e saborosa de fazer pão. Infelizmente os fornos de lenha não são suficientemente rápidos para satisfazer a quantidade de pão exigida pela sociedade dos dias de hoje, mesmo assim, é possível encontrar estas relíquias que pertencem ao nosso património gastronómico.
Os fornos comunitários eram a força anímica deste tipo de cozedura mas haja quem os resgate, haja quem traga na memória o sabor do pão cozido a lenha para que a vontade de o comer urja.
(Texto: Raquel Félix/ Portugalize.Me/ Imagens: Sabores do Forno)