Esta semana, uma viagem relâmpago levou-me a visitar a cidade de Buenos Aires, onde vivi durante três anos, antes de me mudar para o Panamá. O meu plano, desta vez, não foi ver museus ou fazer compras, mas sim encontrar-me com as amigas dos vários círculos que construí.
Algumas perguntaram-me pelas férias em Portugal; perguntaram-me se a crise era tão forte quanto as notícias davam a entender. Fui respondendo às suas perguntas, o melhor que podia e sabia, e contando tudo o que encontrei, a cidade tão bonita, as esplanadas e os quiosques, as ciclovias algarvias e a cidade de Silves, equilibrada em cima do monte. Contei também o que me contavam os amigos: os ordenados cada vez mais baixos e a renda da casa cada vez mais alta, para os endividados; os preços mais baixos, para quem não tem empréstimos bancários.
Os argentinos, habituados a crises muito frequentes – dizem que, cada dez anos, sofrem uma crise violenta – riam-se e diziam que nós, europeus, temos falta de treino…
A perspectiva fez-me sorrir: nós, em Portugal, achamos que estamos a atravessar uma das piores crises de que nos lembramos. Os argentinos, pelo contrário, atravessam “mais uma”, desta feita de origem política, não económica.
Nos poucos dias em que estive em Buenos Aires, assisti a uma greve de dez dias do metropolitano, com as consequências que se podem imaginar numa cidade onde vivem cerca de três milhões de pessoas – e mais dez nos seus arredores.
A outra notícia veiculada foi a da estatística oficial de que uma pessoa podia alimentar-se com 6,99 pesos por dia (cerca de 1.22 euros, à taxa de câmbio oficial). Ouvi-a com espanto, enquanto tomava um chá que me custou 12.
Mas a notícia que mais me marcou, durante estes dias, foi a das restrições cada vez maiores para a compra de divisas estrangeiras. Para além da quota mensal para a compra de dólares, cada vez menor e sujeita a cada vez mais papelada, os argentinos que queiram viajar precisam de ter uma carta da agência de viagens e só poderão comprar divisas do país que visitam. Quem viajar ao Brasil, por exemplo, só pode comprar reais.
Em conversa, percebo que há muito mais a acontecer e que o actual governo, herdeiro da doutrina peronista de outrora, continua a limitar a liberdade dos cidadãos. Desde reformados que não recebem a pensão há mais de dois anos (caso de uma das minhas amigas), a freelancers, como eu, que já não podem trabalhar para o estrangeiro, por causa das restrições nas importações, exportações e circulação de divisas; e a inutilidade dos dos correios, que não entregam a correspondência que vem do estrangeiro, a Argentina cada vez se isola mais do mundo, a bem de “proteger” a sua produção interna.
Não era nem com indignação, nem resignação que os meus amigos me falavam: era com tristeza.
Pensei então em nós, portugueses. Ainda assim, pertencemos a uma União Europeia que defende a nossa liberdade de expressão, de movimentos e de decisão. Lembrei-me que podemos sair do país, se quisermos; também podemos ficar, se quisermos. Podemos procurar clientes dentro ou fora do nosso território nacional, podemos fazer circular dinheiro e serviços, sem restrições. Pensei nos nossos jornais e televisões, que, com todos os seus defeitos, não nos insultam com óbvias mentiras; pensei no caso da “alegada pressão ao jornal Público” por parte de Miguel Relvas. E sabem que mais? Portugal é um país onde uma “alegada pressão” é notícia e é escandalosa – e isso é bom.
(Texto e imagem: Ana Isabel Ramos)