Uma caixa de fósforos é como um pente no bolso de trás das calças, como um ovo cozido que se come ao pequeno almoço apenas com sal e pimenta na tasca ali da esquina, como um pregão que grita as novidades do dia ou como um pedaço de pão centeio com queijo, cortados ali na hora à faca e que depois se guarda no bolso da camisa.
Os fósforos faziam parte da vida dos portugueses, como muitos objectos e tradições que se foram perdendo. Não havia fogão que não precisasse de um fósforo ou cigarro que não se fumasse sem a ajuda deste pequeno pauzinho incandescente. Agora não, é tudo eléctrico, tudo tem um isqueiro.
O lume acendia-se com um pouco de gasóleo, umas quantas folhas de jornal e, é claro, com fósforos. E enquanto víamos a chama ganhar terreno dentro da lareira, ficava no ar uma nuvem pequena de fumo e o cheiro da combustão da cabeça do fósforo.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mudam-se os objectos e as suas funcionalidades. Nos dias que correm, até uma caixa de fósforos precisa de ser inovada para não padecer de esquecimento alheio.
Não temos (e acho que nunca tivemos) a noção do peso e da importância que a indústria fosforeira teve ao nível da produção nacional, entre os séculos XIX e XX. Esta falta de noção de nós e das nossas coisas é-nos transversal. Valorizamos pouco, esquecemos depressa.
A Margarida Duarte e o Luís Pereira são resgatadores de memórias, super-heróis das tradições em extinção, compiladores de uma espécie de cancioneiro de costumes dos portugueses. Deles conhecemos a Antiga Barbearia do Bairro, a Aldeia da Roupa Branca e agora a Por Ti Perco a Cabeça.
As caixas de fósforos têm novos aliados. Elas agora têm temas, contam histórias, ilustram parte da cultura portuguesa.
É com projectos desta natureza que nos vamos apropriando cada vez mais da nossa cultura e que começamos a “perder a cabeça” pelo que fizemos, fazemos e poderemos vir a fazer.
(Imagem: Por Ti Perco a Cabeça, Texto: Raquel Félix/ Portugalize.Me)