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Portugalize.Me_Buying knitting yarn in Santiago

Há dias escrevi um post no meu blogue sobre um xaile que estou a tricotar e que me traz feliz, feliz. Claramente, sinto que ainda não esgotei o assunto. Aliás: será possível esgotar o assunto tricot? Apesar de imaginar que muita gente dirá que sim, sem qualquer hesitação, eu acho que não. O tricot, em mim, puxa por fios invisíveis que vão até à minha infância; a satisfação que me traz, as sensações que me recorda, são muito mais subtis e complexas que qualquer outra actividade manual que alguma vez já fiz.

Por isso, não, o assunto ainda não se esgotou.

Ontem tricotava mais umas voltas no meu Laminaria (para quem tem Ravelry, encontra o meu projecto aqui), dava conta que este foi o projecto que mais prazer me tem dado a fazer. Uma série de pontos novos, decorativos, formam um desenho e constituem um desafio constante. É difícil descrever a satisfação que dá ver nascer das minhas mãos, ponto a ponto, um tecido com um sentido, com um padrão decorativo feito apenas pela forma como passo uma linha dentro de malhas. É o exemplo perfeito de que somando pequenos elementos aparentemente díspares podemos chegar a um todo coeso. Não admira que os arquitectos, quando sobem às torres de observação, falem na cidade lá em baixo como “a malha urbana”.

Este Inverno tenho usado os meus xailes tricotados à mão todos os dias. Concluo, portanto, que mais dois – ou dez – não vão ser demais: o que não usar nesta estação uso na que vem, porque xailes destes não passam de moda, já que nunca lá estiveram.

Neste xaile estou a usar um fio, mistura de mohair e seda (seguramente pouco kosher e claramente nada vegan), que comprei numa viagem sul americana em que acompanhei o meu Príncipe até Santiago do Chile, capital de um país produtor e apreciador de lã. Numa manhã de Agosto – inverno frio e chuvoso, portanto – fui a pé pela imensa avenida Alonso de Córdova, onde fica a loja Cuentapuntos. Estive lá uma hora, ou mais, rodeada de lãs e outras fibras coloridas, num ambiente cálido, enquanto falava com a senhora que me atendia. Quando saí, éramos praticamente amigas, porque o tricot tem dessas coisas: à volta das lãs e das agulhas fazem-se mais confidências que a um padre em confissão.

Com um saco a abarrotar de meadas coloridas, perguntei-lhe, ao ver a conta e calcular o câmbio, se ela achava que o meu marido se iria querer divorciar de mim quando ficasse a saber da despesa. Ela riu-se e contou-me o que lhe dissera, um tempo antes, o marido de outra cliente: as lãs são muito mais baratas que jóias, e dão muito mais alegria a quem as usa.

Ri-me e registei o argumento, que a partir desse dia usei sem cessar. E não: não só não nos divorciámos como também lhe tricotei várias peças. E mais: às vezes, é ele quem me rouba os meus xailes para os enrolar à volta do seu pescoço, em jeito de cachecol.

Definitivamente, o tricot está a deixar para trás o preconceito de ser coisa de avós. Não é: é coisa de todos, mas só quem faz sabe o poder que tem.

Portugalize.Me_knitting-workshop

(Texto e imagens: Ana Isabel Ramos)