Em menos de 48 horas, manifestações marcantes tiveram lugar em vários pontos do mundo. Dadas as minhas ligações à Argentina e ao nosso país, vou destacar o cacerolazo que ocorreu em Buenos Aires e noutras cidades argentinas na quinta-feira passada ao fim da tarde e as manifestações em muitas cidades do nosso país apenas dois dias depois.
Enquanto lá vivemos, entre 2006 e 2010, assistimos a vários cacerolazos, ou manifestações barulhentas em que as pessoas saem à varanda ou à rua, batendo tachos e panelas. Durante um período, todos os dias à mesma hora as ouvíamos. Alguns saíam à rua e manifestavam-se nas avenidas mais importantes. Outros juntavam-se directamente das suas varandas para protestar.
A política, na Argentina, é coisa para polarizar qualquer discussão entre amigos. Os argumentos rapidamente sobem e quase toda a gente está politizada – ou tem uma opinião muito firme sobre o assunto. Cada jornal tem conotação com a sua cor e as notícias são – com demasiada frequência – crónicas e editoriais, já que representam opiniões e não uma descrição de factos. Se há muita gente contra o actual governo da Presidente Cristina Fernández de Kirchner, também há muitos que estão a seu favor.
Por isso, foi uma emoção ver, na quinta-feira passada, as fotografias das maiores artérias de Buenos Aires cheias, com uma multidão que exige o fim das medidas ditatoriais deste governo. Ou, resumidamente, o fim do próprio governo.
A manifestação, convocada através das redes sociais, foi pródiga em reportagens populares: as fotografias dos manifestantes mostravam avós, pais e netos, tranquila e pacificamente, pelas ruas daquela cidade que também já foi minha. Gente de vários quadrantes políticos se juntou em prol de um objectivo comum, o do fim deste governo que paulatinamente vai implementando mais e mais restrições à liberdade dos seus cidadãos.
Menos de 48 horas depois, foram as nossas manifestações portuguesas, em tantas cidades do nosso país que me mantiveram agarrada às redes sociais e aos órgãos de comunicação social. Através destes meios – contemporâneos os primeiros, mais tradicionais os últimos – acompanhei os cartazes e os preparativos; acompanhei os relatos das manifestações, através de reportagens de jornalistas encartados e por “repórteres anónimos” que publicaram fotos no twitter, instagram e facebook.
De ambas as manifestações e reacções posteriores nas redes sociais, retiro uma sensação boa de união e de luta por um objectivo comum. Os meus amigos argentinos contavam, nos seus posts, que há muito tempo não sentiam tal orgulho na sua nacionalidade e nos seus concidadãos. O mais curioso? Foi ver que era exactamente essa a mensagem que veicularam também os meus amigos portugueses.
Há quanto tempo não sentíamos a emoção de pertencer a um grupo, a lutar por um ideal comum? Desde as manifestações solidárias para com Timor Lorosae, em 1999? Desde 1974? Há quanto tempo não sentíamos orgulho no nosso povo, não por causa de um jogo de futebol mas por algo que realmente interessa? Por algo que revela empenho, dedicação, até sentido de humor? Por algo que pode, de facto, mudar as nossas vidas?
Interessante, também, e sinal dos nossos tempos, é verificar o impacto das redes sociais não só na convocatória à manifestação e respectiva difusão, como também as diferentes perspectivas que nos proporcionam, graças à facilidade de publicação de fotografias e relatos.
Não sei de vocês, caros leitores, mas esta que aqui escreve vive, desde quinta-feira, em permanente pele de galinha. Sinto que podemos sair desta crise se todos lutarmos, juntos. E vivam também as redes sociais, que me permitem estar perto, apesar de estar tão longe.
(Texto: Ana Isabel Ramos)