Já aqui escrevi sobre o que considero ser um complexo de inferioridade colectivo de que nós, portugueses, sofremos cronicamente. Falamos mal do tempo, das estradas, do lixo, da forma como os outros trabalham, da forma como o chefe nos trata. Falamos dos políticos, que já se sabe como são, dos autocarros que não chegam, dos autocarros que chegam todos ao mesmo tempo. Falamos dos gestores que ganham muito e de como são todos uns ladrões; dos impostos que pagamos e do pouco ou nada que recebemos em troca.
Comparamo-nos com países que julgamos verdadeiros édenes, que lá é que se vive bem, lá é que as leis são cumpridas e as pessoas pagam impostos. Resumindo: falamos mal, cronicamente mal daquilo que nos rodeia; e cobiçamos, também cronicamente, o que vem de fora.
No entanto, o caldo entorna-se se um estrangeiro, individual ou colectivo, fizer uma crítica sobre Portugal ou os portugueses. Enchemo-nos de patriótico entusiasmo argumentativo, chegando ao ponto, tal como aconteceu recentemente, de partilhar filmes em que alguém desenterrou factos da nossa história que desconhecíamos totalmente – e nos quais, imediatamente, nos tornámos grandes especialistas. Lembram-se do vídeo para os finlandeses? Ou lembram-se de as agências de notação financeira classificarem a economia do nosso país como “lixo”? Fazendo uma generalização, todos nós sentimos que eles estavam a classificar o nosso país – e nós, portugueses – como lixo.
Aqui está: nós podemos chamar-nos de escória, ladrões, preguiçosos, interesseiros ou pouco capazes uns aos outros. Mas se alguém de fora ousa proferir uma palavra crítica que seja, entorna-se o caldo.
Há críticas que devem ser feitas, claro, mas também há muita coisa que corresponde a uma deturpação da realidade. De cada vez que ouvimos falar no número de empresas que faliram nos últimos meses, alguém se lembra de perguntar quantas abriram? De cada vez que se fala no número de desempregados, alguém se lembra de mencionar os novos negócios que tanta gente está a criar?
Sejamos críticos, sim: críticos ao ouvir estes comentários negativos. Para cada afirmação generalista de quão mal está o país e de quão péssimos os outros são e da pouca sorte que temos, saibamos questionar as fontes e apontar as coisas que se estão a fazer – e bem. Saibamos apreciar o trabalho, o esforço e a criatividade de tanta gente que decide arregaçar as mangas e mudar o seu futuro, já que também de isso depende a nossa capacidade, enquanto país, de sair desta crise.
(Texto: Ana Isabel Ramos)