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Cem!

20 Abril, 2014

Portugalize.Me_AIR_Cem

Hoje, ao escrever estas linhas, redijo também o centésimo texto para o Portugalize.me, numa colaboração que começou há um pouco mais de dois anos, quando a minha casa ainda se localizava numa outra latitude e usava mangas curtas todo o ano.

Parece incrível o quanto a minha vida mudou em apenas dois anos, o que me faz pensar em quanto mudará nos próximos dois. E as vossas vidas? Mudaram muito nos últimos dois anos?

Para muitos de vocês, imagino que a resposta seja sim: entre filhos que nasceram, migrações que se deram, mudanças de emprego ou desemprego, a vida pode mudar muito em apenas dois anos. Para outros tantos, se calhar nem tanto.

Por falar em comparar o ontem com o hoje, ocorre-me mencionar uma reportagem que passou no telejornal da SIC, cujo início da história remonta ao ano de 1974. Conduzida por Maria Filomena Mónica, ouvimos as entrevistas que fez a cinco meninos do ensino primário de escolas – e estratos sociais – muito diferentes. Vinte anos mais tarde, voltou a falar com eles e a saber como as suas vidas se tinham desenrolado. Hoje, quarenta anos mais tarde, foi a filha, Sofia Pinto Coelho, que procurou a história desses meninos de outrora, hoje homens feitos, e nos contou em que andavam.

Marcaram-me as histórias de superação de quatro dos cinco entrevistados – um deles optou por não ser entrevistado. Mas um dos comentários com que mais me identifiquei, feito por um dos meninos-homens de classe média-baixa, que hoje vive em Berlim e trabalha numa multinacional onde lidera uma equipa mundial, é que existe em Portugal e nos portugueses uma certa falta de ambição. Eu partilho dessa visão: chamo-lhe o nosso complexo de inferioridade crónico.

Apesar de achar que muito tem mudado, nomeadamente nos dois últimos anos, por força das circunstâncias e pelo espírito de iniciativa e de sacrifício de muitos, em Portugal continuamos a sofrer do complexo do coitadinho, em que constantemente nos depreciamos em relação ao que vem do exterior. E parece que só começamos a gostar um bocadinho de nós quando vemos e lemos as avaliações positivas que no estrangeiro se fazem sobre nós.

(Abro aqui um parêntesis para falar do programa “Shark Tank”, conhecem? Empresários de todas as idades vão ao programa tentar convencer os magnatas – os “tubarões” – a investirem nos seus projectos. Alguns saem de lá com o capital de que precisam e uma parceria com um sócio de renome; outros vêem as suas ideias a serem rejeitadas, por uma razão ou outra. Estes últimos, na curta entrevista que dão ao sair da sala, mostram sempre vontade de continuar, apesar da desilusão. Nas suas palavras, têm pena que os “tubarões” não tenham conseguido ver o potencial da sua ideia. Notam a diferença de perspectiva? Não é a sua ideia que tem falta de potencial – são os “tubarões” que não o vêem! )

Por que será que continuamos a depender tanto da visão externa para gostarmos de nós próprios? Por que será que quase celebramos, numa atitude masoquista, ser “a cauda da Europa”? Se temos tanto valor quanto os outros povos, que concepção é essa que nos faz limitar o nosso próprio desenvolvimento? E que é que nos falta para aprendermos a gostar de nós? Para reconhecermos todos os campos em que não estamos na cauda da Europa? Em que somos tão bons quanto os outros todos?

É nesse sentido que sou de opinião de que o Portugalize.me tem tanto valor enquanto plataforma que reflecte sobre estas questões e difunde projectos de tanta gente que não aceita ser coitadinho só porque nasceu português. E é também por isso que me orgulho muito de hoje celebrar a minha colaboração pela centésima vez, porque também eu, nestas reflexões, fui crescendo e aprendendo a gostar de ser portuguesa.

Faço aqui um brinde virtual aos próximos dois anos: onde estaremos nós então?

(Texto e imagem: Ana Isabel Ramos)