Em Lisboa ainda há quem use as mãos como principal ferramenta de trabalho… é esta a reflexão que serve de ponto de partida ao Projecto da Ana Nascimento, designer gráfica e Lisboeta. Aliás, muito Lisboeta, como ela própria escreve.
A ideia do Projecto, As Mãos de Lisboa, começou a ser delineada a partir do confronto com uma necessidade no âmbito de um trabalho de Mestrado em Design Visual, no IADE. A Ana precisava de encadernar um livro à moda antiga. Da procura desta arte, deparou-se com um velho encadernador que desconhecia por completo e que sempre habitou no seu bairro. “Se não me dissessem, nunca me iria aperceber de que estava ali um senhor, de 80 e muitos anos, que encaderna e restaura livros.”
Algum tempo passou e, em 2011, a Ana dá corpo e voz à ideia de dar a conhecer os artistas que mantêm a arte da manufactura activa, em Lisboa. E assim nasceram As Mãos de Lisboa, uma ode aos que ainda vão mantendo a riqueza do nosso Património Artesanal.
Mostrar os rostos, os espaços e as histórias por detrás das mãos que trabalham o ferro, a cerâmica, a madeira, as linhas e tantos outros materiais, permitem-nos dar a devida existência a “sítios” muitas vezes escondidos ou ignorados.
A Ana Nascimento brindou-nos com algumas dessas realidades tirando-as de um profundo anonimato. Ora leia aqui algumas delas.
“A Carioca Lda., foi fundada em 1936, sempre trabalhando com chás e cafés. Sempre foi tradição as pessoas tomarem café e se antigamente havia muita gente para comprar os cafés e chás d’A Carioca (até faziam fila), hoje o negócio está um pouco mais fraco uma vez que as pessoas já raramente fazem café em casa que não seja com as máquinas que foram lançadas há uns anos.
Todo o processo de mistura de café puro ou das misturas de cevada, chicória e café é feito na sala que segue a zona de venda. As misturas são robustas ou arábicas, conforme o país de origem dos mesmos. Quem aqui trabalha embala estas misturas, depois de pôr os vários tipos de café com as quantidades necessárias e vende-as assim ou avulso. Se o cliente quiser, o grão é moído sempre à vista do próprio (a moagem varia porque cada máquina tem o seu tipo de moagem).
Existem vários tipos de lotes de café: O Palace, o Bar, o Presidente… tudo depende das misturas, do tipo de café, da origem. Uns mais fortes outros menos. Além dos cafés e chás, A Carioca vende também cafeteiras, também elas diferentes e próprias para um certo tipo de café, e outro tipo de produtos como pastilhas ou chocolates.”
“A Casa Maciel, iniciada em 1810, tem uma tradição já bastante antiga e importante no ofício da latoaria. São os únicos em Portugal a produzir lanternas (de jardim, parede, tecto, portão e braço), lustres, apliques e meios florões para tectos de forma manual. Todas as peças são feitas na oficina, com entrada pela Rua das Gáveas, 48.
Nesta casa começou-se por fazer lanternas para carruagens bem como alguidares, banheiras e semi-copios, depois do terramoto de 1755. Durante a 2ª Guerra Mundial inventou-se a bailarina (uma forma de aquecer água sem ser necessário fogo) passando depois para formas de bolos e gelados. A última vez que as fizeram foi aquando da última visita da Rainha Isabel II a Portugal, para o jantar real no Palácio de Queluz.
Num local composto por pequenos espaços e corredores, com duas entradas distintas, uma para a loja, outra para a oficina, trabalham duas a três pessoas. Tudo aqui é artesanal, num local repleto de ferramentas e de moldes de todas as peças (feitas em estanho, cobre, chapa ou latão), incluindo réplicas de conventos, solares, palácios.”
“Antes de ser escultor, Acácio de Pina Coelho era maquetista. Foi um dos colaboradores da maquete de Lisboa antes de terramoto de 1755, feita no Castelo de São Jorge e agora exposta no Museu da Cidade.
Sempre teve jeito para as artes e dedicou-se à escultura depois do 25 de Abril, quando abriu o seu espaço na Bica, repleto agora por muitas das suas obras feitas ao longo dos tempos. De molduras com fotografias antigas que o mostram junto aos seus trabalhos de maquetista a esculturas de barro e gesso, pintadas com as tintas misturadas com esferovite diluído.
Se antes tinha empregados e pessoas que o ajudavam, agora trabalha sozinho quando surge oportunidade para o fazer. No entanto, porque há falta de procura, situação impensável noutros tempos em que ganhava bem (diz que só num Natal conseguiu ganhar dinheiro suficiente para um Alfa Romeo), está agora a tentar vender o seu espaço.”
(Texto: Raquel Félix – Portugalize.Me e As Mãos de Lisboa/ Imagens: As Mãos de Lisboa)