Viajar de transporte público é mergulhar de cabeça na vida de uma cidade. Desde que se viaje com atenção e algo de curiosidade, as viagens de autocarro providenciam todo um manancial de observações, histórias e episódios. É também no transporte público que se sente o que é considerado localmente como “boas maneiras”. No fundo, é como um tubo de ensaio em que nos podemos submergir e observar a cultura local de forma privilegiada.
Vivendo na América Latina, e apesar de falar espanhol, nem sempre conseguia apanhar as conversas que decorriam à minha volta; mas aqui em Lisboa tenho sempre entretenimento garantido.
No outro dia, viajava eu na minha carreira habitual, sintonizei a minha “frequência de rádio” na conversa que decorria entre um dos passageiros e o motorista, que contava a quem o queria ouvir um episódio caricato que tinha vivido uns meses antes.
Contava então que nesse dia conduzia um dos autocarros grandes, pela Baixa, e que viu um dos passageiros a sair. Desviou os olhos por um instante, para fechar a porta e arrancar em segurança, e quando olhou outra vez pelo espelho viu o tal passageiro estendido no chão.
Com o autocarro já em movimento, já não pôde parar para ir certificar-se do que se passava; viu contudo que o passageiro estava a ter assistência, pelo que prosseguiu a sua marcha. Contava o motorista que até tinha ficado com problemas de consciência: que teria acontecido? Ter-se-ia o passageiro sentido mal?
Umas semanas mais tarde, a conduzir na mesma carreira e o assunto já meio esquecido, subiu um dos seus passageiros habituais no seu autocarro. Este passageiro dirigiu-se a ele, motorista, e perguntou-lhe se se lembrava do episódio do homem deitado no chão e se sabia o que lhe tinha acontecido. Passou então a contar-lhe que também ele tinha estado nessa viagem e que perdera a paciência com o outro passageiro, que não parava de reclamar. Assim que desceram do autocarro, “assentou-lhe um murro nas trombas”, para o calar. O reclamador-mor, esmurrado, caiu no chão e ali ficou até o ajudarem a levantar.
Eu ia sentada no meu lugar a ouvir esta história que o motorista contava e estava morta de curiosidade: que queixinhas teria feito o outro homem para merecer um murro? Com que estaria a embirrar naquele dia, que chegara a enfurecer outra pessoa?
“Queixou-se que eu ia a conduzir muito devagar”, esclareceu o motorista.
Não vos disse? Entretenimento garantido!
(Texto e imagem: Ana Isabel Ramos)