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Portugalize.Me_Selfie

Antes de haver selfies, já nós tirávamos auto-retratos. Há muitos anos, mesmo. Lembro-me da visita da minha amiga A., quando vivíamos na Argentina, e nós no meio dos cactos do planalto andino a tentar enquadrá-los nos auto-retratos que tirávamos, todos tortos, às cegas, de braço esticado e objectiva apontada para nós.

Depois vieram as câmaras com o ecrã que se desdobra, invenção maravilhosa, na minha opinião: fazíamos auto-retratos fantásticos, bem enquadrados, prontos para serem impressos e emoldurados.

Com a chegada dos smartphones deu-se a democratização dos selfies. E aqui entre nós, que ninguém nos ouve, já me cansei de ver fotografias tiradas em espelhos de casa de banho. Bem, já me cansei de ver selfies, ponto. Nunca na vida fomos expostos a tanta fotografia mal tirada, muitas vezes com flashes a queimar metade das imagens, em sítios onde nunca antes nos teria ocorrido tirar fotografias e tão abundantemente partilhados nas redes sociais.

Deve ser a primeira vez que acho útil haver um termo inglês, selfie; apesar de equivalente ao auto-retrato, traz-nos uma distinção. Parece um paradoxo, mas deixem-me explicar o meu raciocínio: enquanto que auto-retrato parece denotar algum cuidado, um eventual valor estético (mesmo quando os cactos teimam em ficar cortados na composição) e muito valor afectivo (afinal de contas, foi uma viagem magnífica), o selfie parece não ter nada senão um certo exibicionismo, potenciado pelas redes sociais. Diria que na sua esmagadora maioria, os selfies se distinguem por ter braços ou dedos na composição; cabeças juntas, quando há mais que uma, a sorrir para o lado – para o ecrã, não para a lente; nos selfies tentamos mostrar que nos estamos a divertir 35 vezes mais do que estamos na realidade; e, claro está, os selfies têm de terminar em alguma rede social, porque senão como é que vamos mostrar que a nossa vida é tão mais fantástica do que é, realmente?

Por isso, digo ao auto-retrato: “volta, estás perdoado”. Vem, querido auto-retrato, a sério. E erradica os selfies das (minhas) redes sociais, por favor. Bem, se isto for pedir muito, começa por erradicar os que são tirados em casas de banho, sim? Não quero, porque não quero, ver mais azulejos e espelhos e compartimentos no fundo. Usemos as redes sociais para partilhar fotografias, como dizer?, giras, interessantes, que abram um pouco mais o nosso mundo, que nos mostrem um ponto de vista novo, ou uma paisagem nova, um acontecimento importante. Quanto aos péssimos auto-retratos de gente em casa de banho? Menos, por favor.

(Texto: Ana Isabel Ramos/ Imagem: Raquel Félix/ Portugalize.Me)