Fernando Pessoa era extraordinário pela forma como sabia escrever sobre tudo, fosse o vento, a chuva, o amor, um fio de cabelo, um dente, um pau de vassoura (não sei se chegou a escrever sobre vassouras mas, consigo imaginá-lo a fazê-lo).
Aliás, não era ele que sabia, eram as pessoas e as coisas que o rodeavam que o inspiravam e lhe davam a força anímica para criar a relação perfeita entre as palavras, os verbos, os determinantes, a pontuação. Para mim, ele é assim, referência máxima da criatividade e da paixão pela escrita.
Com a Matilde Beldroega também é assim. O alter ego da Rita Pinheiro, que foi buscar o Matilde ao nome da sua gata e o Beldroega ao coração do Alentejo por adorar a sopa de beldroegas, inspira-se do que a rodeia, por vezes das mais pequenas coisas do seu dia a dia. A ser assim, a Matilde é uma espécie de heterónimo da Rita que surge em várias formas, uma andorinha, um porco, um peixe, uma menina, um pastor alentejano… heterónimo que se desdobra em mil personagens e habita histórias mil.
Como ela diz: “… eu não sei bem que nome dar ao que faço ou ao meu trabalho. Não é o trabalho manual o que me interessa, ou o que me interessa que o meu trabalho seja. Gosto de coser, gosto da produção em pequena escala, do saber fazer, de aprender a fazer… mas acima de tudo, o me que interessa são as ideias que estão na origem dos objectos. O trabalho criativo, é isso que me motiva.” (in Vidas Crafty)
Está-lhe na “massa do sangue” criar, construir narrativas animadas para animar os outros (grande parte dos seus artigos são comprados por estrangeiros ou por portugueses a a viver fora de Portugal). O trabalho desta artesã portuguesa, paciente, que não tem pressa (o Alentejo e também Tomar, dão-lhe um tempo que não tinha em Lisboa), caracteriza-se pela atenção ao detalhe, pelo mais ínfimo pormenor, pela originalidade e pelo desejo de se querer ter parte daquele mundo.
Criar exige da Rita cuidado, atenção, paixão. É isso que encontramos em cada personagem, em cada história da Matilde Beldroega.
(Texto: Raquel Félix/ Portugalize.Me/ Imagens: Matilde Beldroega)