Humberto Nixon navega as águas do Alqueva há 5 anos. Diz não se fartar porque está sempre a descobrir coisas novas nos cantos e recantos dos 1106 km de margem, nos 250 Km² de albufeira e nas 440 ilhas que a Barragem do Alqueva trouxe àquelas bandas. Seriam precisos dez dias para conhecer todo o Alqueva, segundo as contas do capitão Nixon (bem português, apesar do nome). E diziam os estudiosos que o Alqueva demoraria 30 anos a encher, a atingir a sua capacidade máxima. Não foi preciso tanto tempo… nestas matérias, a mãe natureza surpreende, prega partidas ao sabido ser humano.
E a viagem continua. Está calor, mas a água refresca o ar. O cruzeiro irá navegar durante cerca de uma hora. E lá vamos, ao ritmo das histórias do Capitão Nixon. “Perdemos as referências habituais. Antes olhávamos de um vale de 30 m, debaixo para cima, agora… olhamos para o que não existe. Sem as bóias não sabíamos onde era o rio.“ – (as bóias em forma de chapéu referem-se ao rio Guadiana e as bóias em forma de rolha de champanhe invertida aos seus afluentes).
O Capitão pára a embarcação junto a uma das ilhas… “Aqui é onde costumamos deixar os namorados que se zangam… ficam aqui pela manhã e mais à tardinha vimos buscá-los, caso já se tenham reconciliado, senão continuarão por aqui…“, diz Humberto Nixon em tom de brincadeira sobre a Ilha da Reconciliação, um das muitas espalhadas pelo Alqueva, propriedades do Estado, mas de domínio público. Todas são zona de conservação ecológica, forma encontrada para se preservar um ecossistema único, com especial cuidado para as aves que nidificam por ali.
O barco avança, navega. O ar sabe bem, é fresco, a tranquilidade é avassaladora.
Mais uma paragem, a Herdade da Tapada… “… pertence a 22 herdeiros que nunca se deram lá muito bem… um deles fez aquele edifício que a meu ver não tem muito a ver com o que lá está… quando a herdade ainda funcionava, como local de trabalho de muita gente, “os ratinhos” dormiam naquela casinha em ruínas… do vosso lado direito. Alguém sabe quem eram “os ratinhos”? Eram os beirões que vinham trabalhar para a ceifa porque no Alentejo não havia mão de obra.” A densidade populacional do Alentejo continua a ser a mais baixa de Portugal (24 indivíduos por Km² segundo o censos de 2011, para uma média geral de 114,5).
E chegamos à Baía dos Cágados, onde em vez dos ditos encontramos um rebanho de ovelhas a pastar. Assustadas fogem barranco acima e todos tentam tirar fotografias à pressa porque na cidade os rebanhos são outros… carros, motas, pessoas, muitas pessoas, edifícios, muitos, vários…
A viagem está quase a acabar, mas ainda há tempo para mais uma lição. O Capitão ensina-nos onde estão as redes dos muitos pescadores que ali vão buscar o peixe que o Alentejo não quer e não come. Pescam sável. “Há quem venha de Abrantes e depois venda o sável a 7 euros o quilo aos restaurantes de Lisboa.” É difícil comer bom peixe no Alentejo, a variedade resume-se ao bacalhau, polvo, ao choco e à lula.
Voltamos a terra, atracamos e o Capitão Humberto Nixon pede para aguardarmos uns segundos enquanto ele amarra a embarcação, enquanto a estabiliza para podermos sair em segurança. O grupo sai satisfeito, ainda flutuante, sonhador.
Quero voltar ao Alqueva, navegar-lhe as águas por mais dez longos dias. Soube a pouco. Obrigada Capitão.
(Texto e imagens: Raquel Félix – Portugalize.Me)