Fenómeno curioso, este: ouvindo o programa "Portugueses no Mundo", que descarrego em podcast, as saudades que unem a Portugal todos os que vivemos fora contam-se com uma mão. "Amigos", "família", "comida" e "sol"; e com isso resume-se um laço de identidade que nos une e nos caracteriza, a nós, portugueses.
Cá no Panamá temos pouco acesso a comida portuguesa. Há um restaurante, certo, mas é tão português quanto o chop suey é chinês. Um importador espanhol tem bacalhau; um importador português, que já cá vive há muitos anos, tem azeite, vinho, licores, água do Luso e cerveja Sagres. Isto é: quando o contentor acabou de chegar, tem; depois esgota, e o novo carregamento só vem daí a dois anos.
Enchidos portugueses ou uma couve para caldo verde são impossíveis de encontrar. Resta-nos, portanto, a adaptação: um amigo português faz pastéis de nata com massa areada, uma delícia; o caldo verde leva couve chinesa e chistorra espanhola, em vez do nosso chouriço. Os amigos que viajam trazem broa de milho na mala, e torcem para que na alfândega não lhes confisquem o tesouro.
Estar longe do nosso país permite-nos olhá-lo com outros olhos e valorizar o que é nosso; ao comparar com as gastronomias locais, chegamos à conclusão de que um humilde prato de favas com morcela é um
petisco com uma incrível riqueza de sabores, um prato em que os poucos recursos usados se transformam num imenso manjar. Um peixinho grelhado com salada? Um luxo total, inacessível a quase todos os que nos
encontramos fora: dos países que já visitei, só em alguns lugares da Austrália se cozinha o peixe tão bem como nós o cozinhamos.
Posso contar-vos as saudades que tenho de um cozido à portuguesa? Ou de um cozido de grão? De uma feijoada? Ou de umas ervilhas com ovos escalfados?
(Texto: Ana Isabel Ramos)
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