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Maria João Pires é de todos

14 Dezembro, 2013

Esta semana, foi anunciada a segunda nomeação para um Grammy da pianista portuguesa Maria João Pires. Isto só por si é razão para andarmos por aí a celebrar a nossa portugalidade. Por uma das melhores pianistas vivas ser nossa, portuguesa. Mas isso roça o cliché, até porque láureas não faltam na carreira de Maria João Pires. Sim, é uma intérprete brilhante. Ponham o último disco a rodar e oiçam Schubert como nunca ouviram (se quiserem façam uma sessão dupla com a última sonata de Schubert que Pires editou nos anos 90). O talento não se prende por maneirismos regionais, pertence a todos.

Para os mais distraídos, Pires está nomeada na categoria de Melhor Intérprete a Solo de Instrumental Clássico pelo disco “Sonatas n.ºs 16 e 21 de Franz Schubert”. E os Grammys? Sim. São importantes. Mais não seja porque a Academia norte-americana, a quem são submetidos todas as edições por editoras com estatuto para tal (Pires é editada pela prestigiada Deutsche Grammophon), escolheu a pianista para uma exclusiva lista de cinco nomeados. Na música clássica, o mesmo compositor e as mesmas obras são passíveis de serem editadas por vários intérpretes no mesmo ano. O que torna o feito de Pires ainda mais louvável.

Esta é a segunda nomeação da pianista, depois de uma indicação na mesma categoria em 2009 (não ganhou). Mas isto são informações que qualquer busca online nos dá. O que eu queria cruzar é que foi neste mesmo ano que a pianista, ou os media, geraram alguma polémica devido a uma suposta declaração onde Pires afirmou estar descontente com Portugal e por isso pensou em pedir a nacionalidade brasileira (país onde vive desde 2006). Em causa, estava a falta de apoios da parte do governo ao projecto educativo de Belgais, fundado por Pires nas imediações de Castelo Branco. Na altura, a história deu para pano para mangas, porque a pianista foi citada a justificar a sua escolha por «sentimentos negativos contra Portugal». Mais tarde, Maria João Pires veio a público explicar que foi mal interpretada e que pretendia de facto ter a dupla nacionalidade porque tinha a vida organizada no Brasil e isso tornaria tudo mais fácil. Os títulos da imprensa usaram quase todos o verbo «renunciar» à nacionalidade, como se fossem a projecção do que muitos queriam fazer numa altura em que o Socratismo estava no seu auge e o fatalismo da crise já nos asfixiava. No meio disto tudo, Belgais, que passou a ser gerida pela filha da pianista, sofreu de facto grandes dificuldades financeiras que levaram ao seu encerramento. A herdade foi usada para turismo rural e agora está à venda por 1,5 milhões de euros. Quanto à pianista, tem dupla nacionalidade portuguesa e brasileira desde 2010.

Desde que está no Brasil, a recatada Maria ainda se tornou mais esquiva mas tem continuado a gravar com a mesma diligência. A questão da nacionalidade não voltou a gerar conversas. Diz o Observatório de Emigração que em 2009, 4.586 emigrantes portugueses declaravam ter estudos superiores. Num relatório mais recente, os valores apresentados falam em 25 mil emigrantes qualificados para o Reino Unido mais 12 mil para a Alemanha só neste ano…

Quanto à pianista, anda nos palcos do mundo a fazer coisas como o que pode ver no vídeo em baixo – só se apercebeu que a orquestra tinha preparado um concerto diferente à pauta que tinha à frente quando esta começou a tocar e recorreu à memória para o interpretar na íntegra. Impressionante mas menos surpreendente. A capacidade de desenrascar-se nas piores situações é uma das qualidades mais apreciadas lá fora nos portugueses. Quem dera que cá dentro os nossos governantes tivessem semelhante desenvoltura.

Há uns meses, entrevistei o norte-americano José James, homem do soul e do jazz. Quando lhe perguntei se admira algum artista português, a resposta foi imediata: Maria João Pires. E acrescentou: “desde há três anos que oiço diariamente os “Nocturnos” de Chopin tocados por ela…”.

(Texto: Rita Tristany Barregão)