Archives For Ana Isabel Ramos – Uma portuguesa no Panamá

As minhas Fly…

16 Abril, 2012

No Panamá temos duas estações do ano, em vez das quatro a que estamos
habituados noutras latitudes: temos a estação seca, entre Janeiro e
Março, e a húmida, entre Abril e Dezembro. Na estação seca, ainda
assim muito húmida, não cai uma pinga do céu. Na das chuvas... chove
torrencialmente, todos os dias. Uma coisa que se mantém, contudo, é a
temperatura. Varia entre alta e muito alta, mais ainda com a humidade.

Por isso, se há vantagem em tudo isto, é a de poder usar as minhas
(várias) sandálias Fly London. Que eu amo, amo de paixão, e uso
praticamente todos os dias. O design é bom, a construção excelente;
aguentam até chuvadas tropicais sem fraquejar. Quando me encontro com
amigas, perguntam-me onde comprei os meus sapatos. Acenam, em sinal de
reconhecimento: "Só podiam ser europeias!" e a seguir desmoralizam um
pouco com a resposta, afinal Portugal fica um pouco fora de caminho.

Um detalhe intrigante é que a origem da marca é quase um segredo, só
conhecido pelos iniciados: que a Fly London seja portuguesa é um
detalhe que parece ser propositadamente escondido. Revistei os meus
quatro pares e apenas dois têm, em letrinhas muito pequeninas,
gravadas e desbotadas no couro: "made in Portugal". Cheia de
curiosidade, entrei no site da marca e também lá falta uma referência
a Portugal. Na secção "About", nada. Zero. Porquê?

Pus-me a pensar no assunto: por que razão uma marca portuguesa, de
excelência no design, nos materiais e na construção, não quer divulgar
a sua proveniência? Uma marca que adoro de paixão, aliás, tal como
adoro o meu país? Será que o problema é da marca? Ou será que é...
nosso?

Parece-me que o problema é mesmo nosso, dos portugueses. Com a
abertura das nossas fronteiras à mercadoria estrangeira, criou-se um
fenómeno - que, apesar de extremamente parolo, não é exclusivamente
português, por isso nem vale a pena começar com os "só neste país..."
que tanto repetimos - de apreciação de tudo o que vem de fora. Por
contraposição, tudo o que era nacional era conotado como "feio",
"barato" ou mesmo "de má qualidade". Os anos passaram-se, essa visão
instalou-se. Talvez alguns produtos tradicionais alimentícios tenham
escapado a este crivo, mas mesmo esses enquadravam-se no "típico" e
"regional" que são sinónimos de "rústico".

Hoje, carteiras contraídas, a nossa apreciação pelo que é português
recomeça a ganhar espaço - e ainda bem, com toda a justiça e sem
nenhum favor. Em Portugal produz-se bem; e, felizmente para nós,
portugueses, cada vez mais se pensa seriamente no que se quer fazer,
antes de fazer - ou seja, usa-se aquela ferramenta chamada "design".

Mostremos, portanto, o nosso apreço pelas marcas portuguesas: não por
serem "nossas", mas por fazerem bem, com bons materiais e com
qualidade internacional. Pode ser que assim a Fly decida colocar,
algures na sua imagem, "feita em Guimarães, com muito orgulho".

(Texto e ilustração: Ana Isabel Ramos)