Archives For Ana Isabel Ramos – Uma portuguesa no Panamá

 

Ele há “postais” que transcendem qualquer fronteira.

Já de volta ao Panamá, temos estado com obras em casa, em virtude (ou desvirtude) de o chão de pedra da sala se ter levantado e explodido, devido a um “assentamento” do edifício. E pensar em obras em casa dá logo dores de cabeça, seja em que latitude for.

Com obras aqui no Panamá, e com este contacto forçado com o mundo da construção civil, tem sido curioso descobrir que há estereótipos que pensava serem bem “tugas”, mas, bem pelo contrário, são universais.

Comecemos então pelo Pintas. O Pintas, assim chamado devido ao seu discurso e linguagem corporal de “vocês desconhecem tudo sobre o tema e eu, em contrapartida, domino-o”, chega e entra casa adentro, dono da empresa que vai executar o arranjo. Para ele, tudo é fácil, nada suja e os rapazes vão deixar tudo num brinquinho quando saírem. O melhor de tudo é a sua pontualidade, em que “agora” significa “daqui a meia hora, com sorte” e “estou no elevador da outra torre” significa “não me maces, mulher, que sou preciso noutro lugar”. Há sinais que o delatam: o porta-chaves com a chave do carro que pende do bolso, deixando a marca de fora. A camisa, não entalada, a cair-lhe em grande estilo por cima das calças de ganga, que são de marca e vincadas, claro. Usa sapato fino e nota-se, de uma forma geral, que há anos que não carrega um balde, quanto mais um carrinho de mão. Não admira que não saiba que uma obra suja, olhando para o seu aprumo; ele simplesmente não frequenta. Para melhorar tudo, trata toda a gente por tu, desde o empregado ao cliente, e pergunta muitas vezes se entendemos (porque todos sabemos que nós, mulheres, pouco ou nada entendemos).

Depois temos o E legado do Pintas, um pobre desmotivado cuja única luz na sua vida laboral é o dia do pagamento. Nesse dia, trabalha meio tempo para ir receber o cheque e distribui com intervalos generosos de tempo as tarefas pelas poucas horas em que trabalha. Do Pintas, nem o número de telefone tem; encontram-se apenas quando este aparece, qual visão, para vistoriar o trabalho, e de caminho dar-lhe ordens. O Empregado do Pintas é um pobre desmotivado, que não entende o conceito de brio nem lhe compensa trabalhar mais rápido. Por isso traz o jornal, o telemóvel, e, se possível, companhia para conversar. O seu lema é “Calma. Muita. Calma.”

Finalmente temos não os senhorios (que desses, felizmente, só podemos dizer bem) mas sim a sua Representante na cidade, já que vivem fora. E a sua Representante é, também ela, um estereótipo. É reconhecida pela forma como trata mal a quem sente que está num degrau abaixo na sua linha nobiliárquica interna, aquela que só ela conhece, e com falsa deferência a quem sente que está acima. É um encanto na sua calça justíssima e de cintura demasiado baixa, e exibe a sua roupa interior como se disso dependesse a nossa felicidade. Naturalmente, interrompe os outros e não ouve nada do que lhe dizem, inventando explicações e justificações para assuntos que claramente não domina. É constantemente desmentida pelos factos, que ela ignora pacificamente. Afinal de contas, ela sabe.

Tudo isto para dizer o quê? Que a expressão “só neste país…”,  tantas vezes ouvida na paragem do 713, não tem qualquer validade. Ele há “postais” que transcendem qualquer fronteira.

(Texto Ana Isabel Ramos)