Li com atenção uma reportagem que me pareceu de extremo interesse para todos nós, sobretudo numa época em que carecemos de alguma confiança nas nossas capacidades, enquanto país, de ultrapassar esta crise em que vivemos.
A reportagem fala sobre o sector do calçado nacional e conta como era o panorama há 25 anos – negativo, pessimista, baseado em oficinas manuais de vão de escada – e como é hoje: de vanguarda, de luxo, reconhecido internacionalmente pela sua qualidade.
No artigo são mencionados diversos indicadores como preço por par de sapato – o segundo a nível mundial, logo a seguir ao sapato italiano – ou o aumento das receitas líquidas, apesar de se estarem hoje a vender menos pares que há vinte anos atrás.
Significa isto portanto que a indústria do calçado nacional soube dar a volta a um panorama negro e fixar em Portugal a mais valia dada pelo design. Ou seja: em vez da indústria fabricar para terceiros, executando os projectos de outros e vendendo barato, conseguiu dar o salto para fabricar peças que se distinguem pelo design, pela qualidade dos materiais e dos acabamentos, ficando o valor acrescido dentro do país e reforçando a imagem positiva do “feito em Portugal”.
Incrível também pensar numa observação feita no artigo sobre não haver “muitos doutores” no sector. Contudo, são estas pessoas talvez sem formação académica que se adaptaram rapidamente à deslocação das fábricas multinacionais para paragens mais idílicas – isto é, com mão de obra mais barata – e transformaram o “made in Portugal” numa mais valia, não num entrave. Aliás, quem já teve de comprar sapatos no estrangeiro pôde constatar a geral falta de qualidade, comparada com aquilo a que nós, portugueses, estamos habituados a comprar por cá. Botas impermeáveis não impermeáveis, borrachas que se desfazem e couros plastiquentos foram ocorrências comuns quando me vi forçada a comprar sapatos de emergência.
Isto para dizer o quê? Que somos capazes, todos. Se o sector do calçado, um sector que tinha um prognóstico tão, mas tão reservado; que vivia de manufacturas de vão de escada, movidas a trabalho infantil; que se limitava a executar para marcas estrangeiras, simplesmente por ter mão de obra mais barata; se este sector conseguiu dar a volta por cima, então por que razão não havemos todos de conseguir, nas áreas de cada um, dar a volta por cima?
(Texto e Ilustração: Ana Isabel Ramos)